Casar e Mudar


Paulistano e
Paulista,
Vou-me embora
Da capital.
Ainda serei, ao menos, uma das
Treze listras, como poetou Guilherme,
Uma das lanças cravada no solo dos
Paulistas.
Mas não mais neste desvario urbano.
Vou para o campo, para o interior,
Percorrendo de volta o caminho
Que tomaram os meus.
Mas vou-me triste para o degredo,
Como um espectro relutante que
Abandona uma cidade fantasma.
Aquela, a minha de menino, que agora existe
Só na memória.
Cansei de não mais reconhecer-me no
O lugar onde nasci e fui criado.
Chega...
De violência cotidiana,
De olhares desconfiados,
De fome nas esquinas.
Chega da infindável
Miséria humana,
Da pressa que a nenhum lugar
Vai ou chega,
Do consumo enlouquecido de
Ares e poses e grifes,
Em meio à sujeira, aos muitos interesses
Escusos e a mesquinharia sem
Trégua.
Não há mais jabuticabeiras e Tipuanas
Nas calçadas, não mais cachorros
Sonolentos a cochilar
No meio da rua.
Só se vê e se sente
Ansiedade e medo:
Nos olhares esquivos, nas buzinas
Nervosas, e nas cotidianas chacinas
Nos rodapés dos diários.
Não me vou embora para Pasárgada,
Pois Pasárgada para mim não há,
E nem sou amigo de rei
Algum.
Mas quero o tempo
De um pomar,
O doce ladrar de cães à distância,
À meia-noite.
Ou um trote de cavalos levantando
Poeira no horizonte.
Quero viver no ritmo de uma
Horta ou
De um voar de garças,
Sem aflição, pressa ou temor.
Fazendo de conta, como quem não quer nada, que
Ainda existe um mundo que
Reconheço,
E que, em me reconhecendo, por sua vez,
Dá-me boas-vindas.
Zen e
Azeite de oliva.
Vou-me embora, enfim,
Deixando para trás amigos e amores,
Memórias e histórias, e
Uma tristeza de nó no peito.
Levo comigo meu crescente passado,
Para com ele construir, ainda que tênue,
Uma possibilidade de
Futuro.
Como estrela na noite azul
Profunda;
No límpido céu,
E sem pôr-do-sol
Laranja-enxofre.

Jardim


Para mau
Jardineiro, até que ainda há
Flores em meu descuidado
Jardim.
Algumas mataram meu mau jeito, a
Outras faltou água, a
Outras ainda o
Esquecimento abandonou
Em algum canto por
Tempo demais e também se
Foram.
Mas ainda há flores no meu atrapalhado
Jardim,
E avencas, e
Marias-sem-vergonha, e marianinhas.
Um ou outro roseiral foi trazido pelo
Vento ou pelas borboletas,
E que sem meus cuidados, teimosas
Floresceram.
Mas as ervas daninhas e o mato
Incontrolável, por
Isto, só este jardineiro
Irresponsável
Responde.

Inexorável


Vem aí o
Fim.
Certo como o sol ou a noite.
Anseio e
Temor pelo previsível
Fim.
Dói a alma, a
Consciência da
Informação.
Sei, e
Sabendo não
Resolvo as angústias.
Fecho os olhos por
Dias,
Semanas inteiras.
E volta, inexorável,
A maldição da informação.
O quanto mais felizes são os cães,
Como dizia Bocage, que
Fodem ou não,
Sem que nada ou ninguém lhes peça a
Razão.

Triste Tigre


Perdem-se

Os dentes, não
As garras
Mamífero
Predador, ainda
No topo da
Pirâmide
Alimentar
Meu caro Watson.

Translação


A terra girou ao redor do sol
Muitas vezes já.
Ainda está escuro lá fora.
O alvorecer tornou-se
Minha parte favorita do dia.

Amores


Amor é
Arte de
Paciência.
Feito de ação, de
Cotidiano.

Paixão é
Impaciência sem
Arte.
Cem metros rasos,
Sexo, explosão.

Amor,
Marcha de longa distância,
Maratona,
Gestos, coração.

Às vezes, um
Deságua no
Outro.

Às vezes não...

Ninguém


Estava entre os prisioneiros junto a
Vercingentorix na sua humilhação em
Roma, em meio ao triunfo de César.
Fui soldado em uma das três Legiões perdidas de Varus,
Pesadelo de Augusto.
Fui Cruzado,
Estive em Níneve, muito antes disso, e
Assisti a destruição do templo em
Jerusalém.
Fui um dos que viram os anjos em
Mons em agosto de 1914.
O nome é Ninguém.
Como disse Álvaro de Campos,
A quem os deuses concedem o Nada,
Têm liberdade.
Nem dita nem desdita.

Expressão


Seca a
Lágrima,
Silenciosa a
Palavra,
Mudo o
Canto.
É hora de
Calar,
Fitar a
Distância e
Deixar o
Sentir sem
Expressão.
Intenso,
Imóvel,
Invisível.
Antes assim,
Talvez.

Tudo


Tudo o que um escritor quer é ser
Lido.
Tudo o que um músico quer é ser
Ouvido.
Tudo o que um ator quer é ser
Visto.
Tudo o que um pintor quer é ser
Apreciado.
Tudo o que uma pessoa quer é
Ser.
Tudo o que um poeta quer é ter
Sentido.

Felis Catus


Eram duas gatinhas gêmeas e

Ela me pareceu a mais
Meiga. Escolhi-a e
Não me enganei.
Tem para mais de cinqüenta
Miados, dos conhecidos até agora.
O de chegada, dos livres passeios pelos
Telhados, que esta é dona do seu
Ir e vir;
O do querer comer;
O do pedir colo; o do
Volto já e o do olha eu
Aqui, entre

Muitos outros.
Conversamos muito
Eu e ela,
Nas manhãs e nos
Entardeceres.
Com conversas miadas e faladas que só a
Nós pertencem.
Tolo isso, de fazer um poema para uma
Gata, bem sei.
Chama-se Mel,
Que foi seu primeiro miado.
Como minha avó materna,
Escolheu o próprio nome.
Privilégio de poucos.

Maturidade


Não vi minha
Maturidade,
Mas o privilégio de vê-la em um
Filho.
Foi súbito e
Devastador.
Sua lanchonete preferida,
Hobby por nome,
Fechada aos domingos.
Aí toda a compreensão,
Todo o repentino
Entendimento da
Vontade e da
Representação.
Bem melhor
Kant,
Para ouvir e sonhar.

Sentires


Como será sentir
Quando
Se pára de sentir?